07/09/2013

O arroz de galo


Chegámos a Avis, vindos de Lisboa e fomos ver o frigorífico!
É verdade. E não me parece mal. Já era tarde, íamos pouco depois sair para jantar na Tasca do Montinho e era preciso ter uma ideia do que havia e do que faltava para de manhã se fazerem as compras.
Tenho aqui um galo que me ofereceram. Não sei se queres fazer alguma coisa com isto...?

Quando vi o galo, morto, limpo e congelado, tive de pensar rápido e isso, para mim, quer dizer “arroz de...”.
Podia fazer um arroz de galo, respondi, enquanto pensava que nunca antes cozinhara galo, mas por certo não se daria mal com a minha cabidela sem sangue, por falta do mesmo naquela ave guardada no congelador.

Já mais sossegados com a revisão dos mantimentos, partimos para o jantar. O galo só iria para a mesa 2 dias depois.
***

Não nasci a comer arroz, pois os recém nascidos começam geralmente pelo leite materno, mas disso não me lembro, do que me lembro bem é do arroz omnipresente à mesa, ao almoço e ao jantar.
Desde que a refeição não fosse peixe cozido ou assado, creio que todas as outras o incluiam. A certa altura estive doente com uma mistura de escarlatina e apendicite e passei “meses” a comer uns arrozinhos de pescada feitos por mamãe, que ainda hoje faço só para mim e como com delícia.
O peixe coze-se em água e sal com uns “cascos” de cebola, sem refogados ou sombra de gorduras. Nesse água junta-se depois o arroz para cozer enquanto se limpa o peixe de peles e espinhas. No final junta-se o peixe limpo, alguma salsa picada e um nada de manteiga.

Mas voltemos a Avis, onde eu estava(parado no tempo) frente ao congelador, a tentar responder ao ar de dúvida do Rodrigo, quando me perguntou se queria fazer alguma coisa com o galo.
Dada a resposta afirmativa, seguimos com a vida em geral, embora eu tivesse logo começado a desenhar, na minha cabeça, o que tinha de fazer, até ao momento crítico em que as pessoas levariam a primeira garfada à boca. Faço isso muitas vezes, quando estou pouco seguro, por ir fazer algo menos comum para mim ou de maior responsabilidade.

Imaginei-me a tirar o bicho do congelador, a tempo de perder aquela rigidez do gelo, depois a preparar a marinada do costume – vinho tinto, alhos esborrachados, cebola às rodas, cenoura também às rodelas, folha de louro, cravinho e para este preparado “tipo” cabidela, bastantes cominhos moídos.
Nessa marinada ficaria o bicho durante umas horas (ficou uma noite no frigorífico). No outro dia logo cedo, havia que sair da cama, fazer as lavagens matinais, tirar do frigorífico a caixa onde o falecido se perfumava, tomar o pequeno almoço e começar a cozinhar o passaroco.

Este último aspecto era o que eu temia. O bicho tem fama de ser rijo e fez juz à fama.

Primeiro havia que tirar o galo da marinada e secá-lo, para depois o levar a alourar por todos os lados. Feito isto, havia que removê-lo do tacho e fazer entrar a marinada até esta estar a fervilhar. Depois de 1 minuto assim (por homenagem ao Raymond Blanc que muito estimo, e que diz ser necessário proceder desta forma para tirar alguma aspereza ao vinho...) pode-se reunir o galo com o seu destino e juntar água ou caldo(eu só tinha água) para cobrir. Depois de retomada a fervura, baixa-se o lume e deixa-se que a natureza (com seus enzimas, aminoácidos, açúcares e outros mistérios) siga o seu curso, mas no bom sentido.
Para esta fase eu não sabia bem determinar quanto tempo seria necessário.
Até se lhe poder meter o dente? Até estar a separar-se do osso? Até ….?
Assim, decidi que seria 1 hora, pois para planear é preciso tomar decisões e como estes pensamentos se sucederam de forma desconexa durante mais de 24 horas, uma decisão tomada é um assunto resolvido e assim pode-se seguir em frente.

Então, imaginando o galo devidamente cozinhado, a etapa seguinte seria desossar, devolver os ossos ao líquido da panela e apurar esse caldo, o mais importante de tudo.
Para tarefa tão delicada não fiz planos, pois é um processo que se resume a provar e corrigir até estar bom.
A coisa é mais fácil de dizer que de fazer, mas chegada a hora foi o que fiz.
Juntei sal, juntei tomilho e oregãos até sentir o sabor quente do mato no verão, juntei cominhos e pimenta preta e por fim achei que estava bom. No meu plano tudo isto aconteceria antes da hora do almoço, o que deixaria toda a tarde para meditar na etapa final.
Depois duma conversa com o Rodrigo sobre o arroz a usar - para mim seria o carolino, mas essa alma sensível não sabe esperar e assim, não serve para festarolas descontraídas, onde ninguém quer ir a correr para a mesa ao primeiro toque da sineta – eu sugeri agulha, o Rodrigo sugeriu o basmati e foi por aí que ficámos. Tomada a decisão só faltava executar e tudo correu bem.

Panela ao lume, o caldo medido, o arroz medido, o galo desfiado e a postos, tudo correu bem. No final, um golpe de vinagre e com o lume já apagado, uma boa mão cheia de coentros picados e ala para a mesa.

  • Oh João Pedro, o arroz está muito bom, mas para mim devia ter sido feito com Carolino – disse a Cláudia ao provar. Pois, Cláudia, também para mim, carolino e com a mesa na cozinha e os clientes já sentados, de garfo na mão e boca expectante.

Fiquei contente com o plano e com a execução. Fiquei contente com o resultado e com as reações.




Ficaria mais contente se estivesses a meu lado para me dizeres a tua opinião, mas temos tempo

2 comments:

  1. Olá João Pedro,
    só uso arroz carolino, que gosto muito aguarento, como se diz no norte, quando tenho os convivas já sentados à mesa, senão são "disciplinados" uso o vaporizado/estufado com mais caldo do que a proporção 2 para um e resulta com frango, marisco, feijão, tomate ..
    nunca lhe fiz marinada, ao galo, mas gostei de saber..
    gosto do teu blog..
    abraço

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  2. O meu preferido é o carolino, mas com o tempo aprendi que por nenhum arroz vale a pena chatear os amigos. A liberdade nas horas afasta o carolino destas mesas, mas o resultado é bom na mesma.
    O mey blog gosta que gostem dele :)

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