20/11/2015

Memórias - Papas

Esta ideia de escrever sobre papas, surgiu-me depois de ter falado ao telefone com a minha mãe - não falámos sobre comida e muito menos sobre papa, mas alguma coisa me trouxe à mente uma sobremesa que ela faz muito bem e não como há séculos. Um leite creme que se faz com farinha de arroz (acho eu) e como tal é uma espécie de papa. Chama-se Leite Serafina e incrivelmente o google não conhece.

A imagem  veio do blog Correio-Mor



Sou do tempo das papas. Com farinha, leite, açúcar e pouco mais fazia-se uma bela papa, quer fosse de farinha maizena, farinha de milho, torrada, flocos de aveia, tapioca ou a 33, todas faziam parte do espectro culinário de casa dos meus pais.

Já existiam os corn flakes, mas eram uma espécie de estrangeirismo pouco presente e durante anos as únicas inovações foram o Cerelac e o Nestum, que gozaram também de alguma fama.

As coisas que andam ao nosso lado desde que nascemos, não merecem muita atenção e assim, as primeiras papas em que reparei, não eram feitas para mim, mas sim para uma das 2 bisavós que conheci. A avó Florinda.

Recordo-a já quase sempre acamada, e quando se levantava parecia uma personagem de filme. Sempre de preto, sempre sisuda ou mesmo zangada, já muito avançada na idade e com os achaques próprios. Por certo que exagero, mas acho que vivia de papas e eu gostava de rapar o tacho onde a minha avó (sua nora) preparava aquela comida rústica, diferente das que comia em minha casa (seria de água em vez de leite?), com um toque de sal sobre o doce do açúcar e com uma mancha amarelada da manteiga a derreter.

Em casa dos meus pais, uma vez por semana o jantar era papa. Uma das listadas acima e embora eu não conhecesse mais ninguém que fizesse uma refeição semanal, sem carne nem peixe, sempre me pareceu uma coisa natural.
No entanto, depois de sair de casa poucas ou nenhumas refeições destas eu fiz.

Hoje, existem  inúmeras marcas de cereais e coisas aparentadas, com nomes sonantes, anúncios caros, promessas de saude e elegância, mas não me seduzem e nunca lhes toco. Como papas, mas não dessas.

Com a minha tardia descoberta do Algarve, acabei por encontrar o xerém e gostei muito. Uma coisa diferente para quem nunca vira papas salgadas, mas que me agradou de sobremaneira. Mais tarde,em Cabo Verde reencontrei a versão local do dito preparado algarvio, onde até o leite de coco comparece. Também muito bom e de alguma forma veio consolidar essa ideia das papas em versão alargada, a que não pode escapar outra grande variante, o pirão.

Recentemente na preguiça das refeições solitárias, permiti-me avançar nesse tema, principalmente porque ao arrumar o armário das mercearias encontrei 3 embalagens de sêmola de milho, quando procurava masa harina para fazer tortillas.
Não encontrei masa e como a sêmola não serve para as tortillas, tenho-a usado para refeições que não apresentaria a ninguém, mas que me agradam muito pelo sabor e pelo conforto associado.

Papas de salsichas com couve lombarda.


Cozi salsichas frescas, barriga de porco, couve lombarda e cenouras, num caldo aromatizado por cebola, alho, louro e cravinho e depois de pronto, separei o caldo do resto. Parti o que se podia partir e fiz umas papas de milho com o caldo
Comecei por deitar numa tigela um copo com sêmola de milho e dois de água. Mexi e deixei assim, para o milho ensopar a àgua.
Depois, levei o caldo a ferver, juntei a sêmola ensopada e mexi bem. Deixei o milho cozer durante 30 minutos, tendo o cuidado de ir mexendo para não se pegar ao fundo. Uma vez a papa pronta ( ao provar deixa de parecer areia... ) juntei  as carnes, os legumes partidos e umas folhas de hortelã. Claro que acabei com um bom fio de azeite e comi com colher.


Já fiz o mesmo com os restos duma moqueca de frango e ficou delicioso. Ambos merecerão repetições para breve.

Passado ou futuro? Que interessa? É preciso é deixar as modernices e trazer sempre por perto aquilo que achamos bom, seja lá qual for a moda.

Se estes textos se prolongam acabo por parecer um velho reaça a louvar o que passou, e não sou nada disso. No entanto, estas gastro-memórias deixam-me com saudades de coisas que, infelizmente, se perderam e hoje nem sabemos porquê.

13/11/2015

Uma cabeça de pescada

Há dias de cozinhar para mim, uma coisa entre a gulodice e a curiosidade, dias de experiências ou então de comer aquelas coisas que estão sempre no fundo do coração e às vezes não se podem fazer para mais ninguém.
E há dias de cozinhar para os outros, de preferência poucos e idealmente apenas um, que depois se sentará comigo à mesa e poderá ou não perceber que aguardo algum comentário, que espero ter acertado, não no sal mas no coração de quem partilha comigo a mesa e o que preparei.

Também há dias mistos, em que se junta tudo.

Apeteceu-me fazer um belo arroz de peixe para a minha filha e para isso comprei uma cabeça de pescada. A cabeça é de onde se pode extrair mais sabor para o caldo e, quando é grande, tem muitos lombos e lombinhos branquíssimos, lascantes e deliciosos para ilustrar o arroz e fazer dele coisa digna da minha princesa.

No entanto... havia a questão do meu almoço. De entre os pratos mais simples que esperam no fundo do coração, há sempre lugar para aquilo que em Lisboa se chama uma açorda.

Caldo de cozer a pescada, pão duro, alhos, coentros frescos, azeite, umas migalhas de peixe subtraídas às espinhas, um pouco de pimenta preta e aí está o almoço. Numa tigela e com colher de sopa, uma papa fumegante, tão perto da essência que a como sem pensar em nada, como se aquilo fosse parte de mim.

Na base de tudo está o caldo. Água, cebolas, alho francês às rodelas, 1 cenoura, 1 folha de louro, 2 dentes de alho, uns talos de coentros, sal e pimenta.
A cabeça da pescada, que ficou de sal durante 2 horas, entra no caldo quando este já
fervilha e ao fim de 5 minutos, apaga-se o lume, coloca-se a tampa e fica assim mais 15/20 minutos.
Depois é preciso separar o que se quer ver, ou seja os tais lombos, lombinhos, lascas e bochechas, que ficam de reserva até à hora do arroz, devolvendo ao caldo as peles, espinhas e mais peças soltas, que aí dão o melhor de si.

Voltando ao almoço, roubei então um pouco desse caldo para a açorda, e ao desfazer o pão, penso como nos afeiçoámos a este preparado que deve ter origem nas conquistas romanas e fizemos dele bandeira duma região, bandeira também duma pobreza que se alimentava de migas, açordas e sopas, sem saber que havia futuro nessas, tantas vezes tristes, papas de pão e água.

Já o arroz do jantar foi coisa de maiores atenções, porque quando eu e a minha princesa nos sentamos à mesa e há no meio uma panela fumegante de arroz de peixe, é como se a sombra da Noélia se acercasse e eu faço tudo com extremo cuidado, para sair vivo de eventuais comparações. No final senti que estava bom, mas... (a galinha da vizinha é mesmo melhor que a minha) 

O Arroz:
Salteio ligeiramente o carolino em azeite com um pouco de alho, junto-lhe o caldo a ferver, provo. junto umas pedras de sal, tapo, vejo as horas, e ao lado aqueço um pouco mais do caldo para depois amornar as lascas do peixe que se juntarão ao arroz 2 minutos antes de apagar o lume. Nessa altura entram também os coentros frescos picados e sumo de meio limão. Mexo, provo, penso, mas tudo o que resta é deixar o arroz em paz para acabar de cozer.

Vai para a mesa com a tampa posta e muito caldo. Volta da mesa a panela vazia e eu sorridente por dentro.

A menina não fez comentários, mas repetiu até não haver nada. Que mais posso querer?

01/11/2015

Caril de peixe

Há quem se surpreenda quando digo que faço comida a sério apenas para um(que sou eu), mas é verdade e não entendo o espanto.
Imagino que todos os que gostam de comer e sabem cozinhar, façam o mesmo e se não fazem, andam a comer bacalhau à brás congelado, a encomendar pizza ou a viver duma qualquer sopa feita 3 dias antes, porquê?

Claro que gosto mais de cozinhar para comer acompanhado, e para algumas pessoas gosto mesmo muito de o fazer, e gostaria de ter mais ocasiões dessas. No entanto, se for só para mim, também me esmero e faço-o de forma mais descontraída, experimentando receitas nova, improvisando e às vezes, em consequência, ficando sem refeição

Kerala fish curry.


Por alguma razão, o caril tornou-se uma coisa natural, e hoje posso dizer que sei muitas receitas, conheço muitas especiarias, e para quem nasceu em Lisboa, longe das terras do côco e da malagueta, safo-me muito bem.
Tendo há anos desistido de entender o que é na verdade caril, aceito o termo e continuo a acumular versões, por vezes tão diferentes que acabo sempre por regressar à incompreensão dos motivos que justificam a simplificação na nomenclatura, imposta pelos ocidentais,

Este caril, encontrei-o depois de escrever no google; Kerala fish curry, pois queria um caril de peixe e lembrei-me de procurar uma receita deste estado que fica a sul Goa e cuja comida tem algumas similitudes de processos e ingredientes - por exemplo esta receita usa solans, um condimento também usado em Goa, no ambotic, e que eu não usei porque não tinha.

Dos resultados, escolhi este (http://www.keralarecipes.co.in/recipe/kerala-fish-curry/), porque tinha comprado folhas de caril (kari patta) e queria usá-las antes que secassem. Como na foto aparece um ramo da dita verdura, fui ler o texto( na diagonal ) e fiz uma coisa parecida.

Para este preparado usei:

1 colher de café de malagueta vermelha em pó
1 colher de chá de curcuma3 colheres de sopa de óleo vegetal
4 medalhoes de pescada
1 cebola picada
1 dente de alho ralado
1 coher de chá com gengibre ralado
1 colher de café com sementes de fenogrego
1 colher de chá com sementes de mostarda preta
2 colheres de sopa com polpa de tomate
1/4 de pimento vermelho picado
tamarindo
12 folhas de caril 


e avancei

Para começar misturei a malagueta e a curcuma com 1 colher de sopa de água e fiz com isso uma pasta.

Levei um tacho ao lume com  o óleo e juntei as sementes(mostarda e fenogrego) que ao fim de 1 minuto começam a saltar e essa é a altura para juntar a cebola picada. Depois seguem-se o alho e o gengibre e mexendo com a colher de pau deixo que refogue um pouco.
Quando a cebola já está loura, junta-se a pasta, a polpa de tomate e o pimento picado.
Pouco depois entra o peixe temperado com sal e o tamarindo diluido - o tamarindo não faz parte da receita original, mas eu achei que ficaria bem.

Compro o tamarindo em blocos de onde separei o que achei necessário (1 colher de sobremesa), diluí em meio copo de água quente e coei antes de usar, para separar os caroços e as cascas.

O peixe cozinhou em lume fraco com a tampa posta, durante 7 ou 8 minutos. Então destapei, juntei as folhas de caril e deixei o lume aceso durante mais 3 ou 4 minutos.

Comi (em duas refeições)com arroz, prazer e alegria.

Vou continuar a cozinhar para mim.