Já não me lembro muito bem, porque razão
frequentei o curso de Filosofia, mas aconteceu e até gostei. Então, tive um professor
que um dia disse, acerca de uma frase de um filósofo alemão, por ele transcrita (em alemão, claro, pois o Doutor era de grande mérito) a giz, para o velho quadro
negro:
- esta
frase é tão brilhante que mesmo aqueles que não sabem alemão, a compreendem!
Talvez isso possa acontecer durante o
Pentecostes, ou por via de cogumelos muito bem seleccionados, mas na verdade não percebi
nada da frase e acabei por recorrer a uma tradução. Hoje, nem lembro o nome do Filósofo, do Doutor, ou da disciplina, mas recordo coisas mais importantes, como por exemplo o nome de quem me ensinou a ler - a Professora Leonilde, ali na rua das Pedras Negras, ao chegar à rua da Madalena.
Vem isto inapropriadamente a propósito da
chamada “carne guisada”, também conhecida como ragoût, por outros mais afrancesados
que eu.
Carne guisada com batatas, acho que é o nome mais frequente para esse
prato, mas em casa dos meus pais era apenas - Guisado, com maiúscula por ser
nome próprio. Também pode ser Jardineira (não confundir com giardiniera) e já são nomes a mais.
Mas, sobre o guisado eu diria (com mais hipóteses de
estar certo, que esse remoto professor) que qualquer um o entende. A técnica é
usada em todos os países e acho que ninguém me ensinou a fazer. Queria "apenas" fazer uma
coisa igual ao que a minha Mãe fazia e por isso, além das batatas, uso a
cenoura e o feijão verde como ela. Nunca falha e é reutilizável. Acabadas as batatas,
coze-se macarrão e mistura-se, ou coze-se esparguete e não se mistura, ou
reduz-se a creme e podemos fazer empadões, croquetes, pastéis de massa tenra,
folhados de carne, etc.
Antes de descrever a técnica, queria apenas
dizer que ao fim de 30 anos de culinária, provo o meu guisado e penso: não é o
da Mãe!
Carne para guisar é coisa que se pode pedir no
talho. Um pedaço de carne de vaca, não demasiado magro, cortado em cubos é o
que se pretende, digamos meio quilo e assim:
- ½ kg de carne de vaca em cubos
- 1 colher de sopa com farinha
- 1 colher de sobremesa com paprika
- 1 colher de sobremesa com sementes de coentros em pó
- 1 dente de alho picado
- 1 colher de sobremesa com sal grosso
- 1 colher de chá com pimenta preta moída
Misturo tudo e ao fim de uns minutos
salteio a carne num pouco de azeite, não colocando no tacho muita carne de
cada vez para ela ter espaço para saltitar sem atropelos.
Enquanto a carne ganha cor, prossigo:
- 1 cebola grande picada
- 2 dentes de alho picados
- 2 colheres de sopa de azeite
- 1 folha de louro
Uma vez salteada toda a carne, e com
o tacho de novo vazio, junto o azeite, a cebola, o alho e o louro e deixo refogar
até ganhar um pouco de cor e nessa altura juntar ½ copo de vinho branco,
mexendo até este quase desaparecer.
Nessa altura eu retiro a folha de
louro, e só depois junto um pacote pequeno de polpa de tomate (200g). Se houver
tomate bom e maduro, uso esse, mas normalmente nas lojecas que frequento, vejo
pouco disso e a polpa nacional de pacote não é nada má.
Misturo a polpa com a cebola já alourada, junto
umas pedras de sal seguidas pela carne reservada e todo o seu molho. Enxaguo o
recipiente da carne com um pouco de água e junto-a ao tacho, até quase cobrir a carne. Então fica a fervilhar durante 20 a 30 minutos.
Enquanto a carne cozinha, passo aos legumes
que no meu caso, são:
- 4 batatas descascadas e partidas em quartos
- 4 cenouras descascadas e às rodelas
- 1 chávena de feijão verde sem o fio e cortado em pedaços de 2 cm
Tudo isto é aproximado, muito variável, dependendo daquilo que há em casa.
Os legumes entram por ordem de cozimento. Primeiro
as batatas, depois a cenoura e já perto do final o feijão verde.
Assim que as batatas estiverem cozidas, apago o lume e dedico-me a coisas variadas, que em algum momento, devem
incluir a ingestão do pitéu.
Como se o meu professor de filosofia tivesse
dito que a tal frase ainda se entenderia melhor frente a uma grande caneca de
cerveja, ou usando “lederhosen” (não o disse pois era uma pessoa séria que estava a
falar a sério) , eu digo que o Guisado, compreende-se melhor acompanhado por um
belo arroz carolino acabado de cozer e bem cremoso. Depois deixo à consciência
de cada um esmagar ou não as batatas. Eu faço-o.