Eu gosto de variedade e novidade na minha
alimentação, mas neste campo, sei sempre bem quem sou e donde venho.
Por muitas
especiarias, molhos, carnes, peixes, ervas, temperos e outros, que vá descobrindo, regresso
sempre à comida tradicional da mesa familiar. Essas são as receitas que mais me
dizem e que são naturais para mim.
O tomate, a cebola, o alho e o azeite, são a base de tantos pratos que estimo e onde a simplicidade,
resulta num modelo culinário Português, inequívoco e que de alguma forma nos
une para além dos limites do território.
…
Escrevi isto há mais de um mês e desde aí
tenho andado, a remoer por dentro, sobre
o que escrever a seguir. O motivo da pausa, foi a enorme vontade de ser tão
simples como o prato a que me refiro, e ao mesmo tempo tentar encontrar as
razões de ser esse preparado, um dos melhores que me podem servir.
Refiro-me à caldeirada, esse prato onde se
cozinham ao mesmo tempos as batatas e o peixe. Onde há espinhas, peles, pevides
e onde qualquer efeito estético é impossível, pois se não é bonito pela
confusão, sê-lo-á pelas cores, pelos aromas, pelo sabor, pelo fumo que revela
tudo isso integralmente, apenas a quem já o conhece, a quem se lembra, saliva e
emociona.
A receita é talvez das mais simples que
conheço. Cortam-se as batatas em rodelas, tal como as cebolas. Cortam-se os
tomates maduros de igual forma, os pimentos às tiras, esmagam-se alhos,
quebram-se malaguetas e folhas de louro, tempera-se o peixe com sal grosso e
apronta-se o azeite.
Posto o tacho ao lume, cobre-se o fundo com
azeite e começando pelas cebolas, vai-se arrumando em camadas até acabar com
tudo. No topo, mais um pouco de azeite e umas ervas frescas (eu gosto de hortelã e coentros). Tapa-se e deixa-se cozinhar durante (mais ou menos) 15 minutos.
Sem medo.
Sem água ou vinho.
Mandam abanar o tacho e eu faço-o, duas ou três
vezes e mais nada, até o destapar para confirmar o ponto das batatas.
Depois, na hora de comer, não há regras para além da gulodice.
O caldo que se formou serve para tudo. Podem-se esmagar as batatas, molhar o pão, ou comer no fim como uma sopinha, cheia dos melhores sabores. Até a escrever eu salivo.
As minhas caldeiradas deste verão/outono têm
sido muitas e a parte mais importante é feita pela Bela, que me escolhe o peixe,
na sua banca do Mercado de Alvalade.
Safio, tamboril, cação e raia são os meus
preferidos. Nesta versão, dispenso ameijoas, camarões ou lulas, mas não
dispenso uns fígados de tamboril ou de safio.
Foi comida de pobres, serviu para alimentar
quem andava à pesca, usando as partes menos vendáveis dos peixes. Noutros locais o
mesmo processo permitia consumir peixes sem valor comercial, por serem pequenos
ou muito feios. Mas hoje é manjar de festivais e prato principal em muitos restaurantes, onde gulosos sem medo das espinhas, se
deliciam com tal singela preparação.
Aqui entram poucas coisas, a arte é quase
nula, mas deve ser tudo fresco, muito fresco e bem escolhido. E depois é
preciso ter à mesa verdadeiros apreciadores. Portugueses com certeza, pois como disse o Chef Aimé Barroyer "...é impossível um espanhol entender uma caldeirada ou um sarrabulho."
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