Uns dias penso que as palavras são curtas. Noutros, sei que é
apenas a minha arte que é curta para reflectir o que sinto, mas na verdade,
qualquer coisita é melhor que ficar calado e deixar cair o que pode ser contado.
O verão na cidade não tem grande cheiro. Tem espaço, tem
calor, mas o cheiro é o mesmo.
O verão da minha memória tem sempre cheiro. Cheira a
maresia, cheira a camarinhas, cheira a mexilhões arrancados da rocha, e a creme
nivea, mas também cheira a pêssegos, a calor, às cigarras (há memórias onde confundo a sesta, o calor e
o ruído das cigarras como se partilhassem um cheiro vago que dura o tempo de
adormecer) e a doces fervilhando nas
panelas da cozinha em Torres Novas.
Acho que a minha Avó gostava de fazer doces. E fazia
muitos. Na despensa havia sempre uma colecção de frascos cheios, que parecia não ter fim. Para ela os doces eram o complemento natural da fartura de fruta que
o Verão trazia. Principalmente ameixas, pêssegos, tomate e por vezes o
delicioso doce de melão. Qual o melhor? Talvez o de tomate, pois apesar de
estar sempre presente e em grandes quantidades, continuo a gostar dele como se
fosse uma surpresa.
Recordo bem a urgência do doce de ameixa, que era feito para
evitar que a abundância das ameixas, de repente todas maduras, desse em desperdício, coisa
inaceitável para os meus Avós.
Então havia baldes cheios de ameixas na cozinha e a minha Avó ia preparando os doces que alegrariam o frio do Inverno.
Então havia baldes cheios de ameixas na cozinha e a minha Avó ia preparando os doces que alegrariam o frio do Inverno.
Hoje, continuo a fazer doces – este ano já fiz de cereja, de
alperce, de pêssego e de rainhas-cláudias – como se tentasse apanhar esses
momentos perdidos e acima de tudo porque acredito que existe uma ideia a
preservar.
Fazer um doce é muito mais que a soma de gestos, que depois acaba numa fatia de
pão distraída ao pequeno-almoço, como deve ser. Distraído como eu as comia
então, na grande mesa da cozinha, quando
a minha Avó ia abrir um frasco de doce de ginja (na verdade este é o melhor de
todos, mas é tão raro que fica no rol dos esquecidos), para eu espalhar na
carcaça já com manteiga.
Imagino que a minha Avó esperasse um comentário e
imagino que estes fossem escassos, pois sei que comia com os olhos na rua, onde
crescia tudo, até as pedras, para eu descobrir diariamente.
Fazer doces em vez de os ir comprar num supermercado
qualquer, é reclamar uma tradição antiga e assim fazer parte dela. É voltar à
infância e ser à vez a criança e a Avó (o meu Avô fazia muitas coisas mas não doces).
E é tão simples.
O último que fiz foi de rainhas-cláudias e levou:
- 1,500 Kg de ameixas sem caroço e cortadas em pedaços
- 700g de açúcar
- 1 casca de limão
- 1 pau de canela
- 4 caroços
Abri os caroços para retirar a amêndoa que quebrei e deixei
de molho em água quente
Deitei o açúcar sobre as ameixas cortadas e juntei a casca
de limão e a canela. Deixei assim 1 hora
Levei ao lume, juntei a água das amêndoas que já estava meio
gelatinosa e deixei fervilhar até chegar aos 104º.
A minha avó não tinha um termómetro
destes, e por isso olhava para os pingos na colher de pau até achar que estava
bom, mas o método do prato com um pouco de doce no frigorífico, também serve.
Podem-se esterilizar frascos, mas quando o doce é para comer
rápido, uma tigela e papel vegetal são quanto basta.
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