05/08/2015

Memórias - Restaurantes


Tudo isto aconteceu muito antes de eu pensar em cozinhar, ou dar algum tipo de especial atenção às tarefas culinárias. Comer bem era natural, mas era apenas alimentação e ainda não, qualquer tipo de busca de sabores ou sensações, associados às refeições.
Mas como quase tudo começa sem nos apercebermos, eu posso agora olhar para trás e procurar raízes onde elas se tiverem fixado.  Assim, hoje escrevo sobre alguns restaurantes que tiveram um papel importante no meu crescimento, quanto mais não seja porque ainda os mantenho vivos entre as minhas memórias, por bons motivos.
Os restaurantes como sítio de frequência regular e natural são coisa mais recente. Nesse passado que agora rebusco, ir comer fora era coisa rara. E não tanto pela questão financeira, mais pela qualidade do que se cozinhava em casa. Por outro lado, deslocar uma família grande até um restaurante não se fazia de ânimo leve.
Posso dizer que ir ao restaurantes era um acontecimento. Não se ia ao restaurante sem um motivo. Alguém fazia anos, alguém estava de visita ou de partida, e pouco mais.
Lembro-me de ouvir o meu Avô falar num sítio perto de Vila Franca de Xira onde preparavam bem as enguias. O meu Pai gostava de ir ao Paco (em frente à Gulbenkian) não sei bem porquê, e ainda nos levou lá algumas vezes, sem que ficasse memória maior que o nome.




 Restaurante Maria Matos
Travessa do Elevador
2450-Nazaré

Durante as férias na Nazaré, havia pelo menos um dia de ir almoçar ao Restaurante Maria Matos, sempre por vontade do meu Avô, que fez disso uma espécie de tradição. Acho que comíamos um bacalhau aparentado ao Gomes de Sá, mas para mim tudo era motivo de festa, estar com os adultos apesar de mal chegar à mesa, ver coisas diferentes(mesmo que não fossem melhores) e se não recordo detalhes, ficou uma sensação grata associada a esse restaurante. 
Depois, começaram a nascer irmãos e primos todos os dias e cada vez eram menos as idas ao tal restaurante, que ainda existe e fica perto da entrada do elevedor que vai para o Sítio.
Nunca lá voltei a entrar, mas sempre que lá passo, sinto alguma curiosidade.





Restaurante China
Rua Andrade Corvo, 7
Lisboa

Mas com tanta coisa boa e tanta gente para cozinhar delícias tradicionais, como foi que pus o pé fora da cozinha nacional?


Acredito que isso começou no dia em que fui ao Restaurante China, que ficava na Andrade Corvo quase na esquina com a Duque de Loulé. Devia ser o aniversário do meu tio Álvaro e a ida a um restaurante chinês foi motivo de grande excitação, pois poucos sabiam ao que iam.

Sendo eu o mais velho duma catrefada de primos, fui a estes sítios, quase sempre sem a companhia de outras crianças, tendo assistido a muitas cenas que hoje parecem estranhas, mas tudo era diferente e novo para mim, e neste caso do restaurante Chinês, para quase todos.

Recordo a risota que provocava a descrição dos pratos, principalmente quando o meu tio informou que os crepes tinham algas, coisa impensável de meter na boca, excepto por engano num mergulho mais arrojado no mar bravo da Nazaré. Muitos crepes, muito arroz chao chao, muito molho de soja, porco doce e banana frita para terminar. Tudo tão bizarro como os pauzinhos que ninguém sabia usar.

A memória da primeira visita a um restaurante chinês, ficou bem presente, e se nos anos seguintes, comi em muitos outros, melhores e piores, um pouco por todo o lado. A única coisa que se pode comparar a esta visita, foi a já recente ida a um clandestino, com a dificuldade de comunicação, a busca por cadeiras e por fim a travessa de línguas de pato.

A foto do guardanapo do Restaurante China pertence aos documentos de Vitorino Nemésio, pois na sequência duma visita ao restaurante, o Professor escreveu uns versos nas costas deste.
Ver






 Restaurante da Estação
Estação de Comboios
S.Martinho do Porto


E o caril?
Essa mistura de especiarias e técnicas sem fim, que se encontra por todo o lado em versões que vão do sublime ao patético. Como foi que começou essa minha história?
Passando por cima daquelas travessas de caril de lulas que apareciam nas festas dos anos 70 e que nunca me fascinaram, recordo uma história que é bom exemplo do baixo nível de conhecimentos que nessa altura naturalmente tinha.
Um dia a minha Mãe apresentou um prato novo de frango, com um cheiro intenso e um bom molho de cor escura, que por muito que ela negasse, todos à mesa teimavam em dizer que era um caril. Pois bem, não era nada disso, apenas o singelo frango com sopa de rabo de boi, que assim parecia uma exótica novidade.

Mas caril a sério, esse que hoje continuo a comer, apareceu na minha vida por uma série de acasos que trouxeram uma senhora desde Moçambique até ao pequeno restaurante da Estação de Comboios de S. Martinho do Porto.
Em 1970 trocámos a Nazaré por S. Martinho do Porto, e foi aí passei as férias da minha adolescência. Como parte do crescimento e da liberdade que as férias concediam, no meu grupo de amigos de verão, instalou-se o desejo de ir jantar fora, para assim se beberem umas cervejas, fumar e conviver sem supervisão de adultos. E se isso não acontecia com muita frequência, foi no entanto o ínício de novos costumes e relacionamentos.
Como o orçamento era reduzido, havia muita imaginação e recorria-se aos locais mais baratos. Não sei como aconteceu, talvez por falta de fundos, um dia cheguei ao referido e muito pequeno restaurante da estação dos comboios, para comer o Caril de Frango que me tinham recomendado. Que revelação aquilo foi! O sabor forte e vivo, os coentros(então pouco usados) pareciam coisa de génio, e o molho onde conviviam o picante, o ácido e o adocicado conquistou-me para sempre.
Um dia resolvi provar outra coisa e descobri o Sarapatel que ainda hoje é dos meus pratos preferidos.

E nem sei o nome da Senhora que tão bem cozinhava...





O Pereira de Alfama
Rua Guilherme Braga, 22
Lisboa




Para acabar, falta referir o Pereira de Alfama, este apenas porque foi o primeiro restaurante onde entrei sem adultos para jantar. Deve ter sido uma aventura, ir com os meus colegas do liceu - o Manel, o Carlos e o Albano, tudo gente da zona mas nenhum de Alfama, comer o gigantesco cozido que eles serviam. Lembro-me que era uma tasca escura, com doses enormes, na quantidade e variedade, que nós devorámos sem esforço.


Nunca lá voltei, mas pensei nisso muitas vezes. Entretanto fui descobrindo outros sítios (por exemplo a Trindade ou a Bicaense da Dª Amélia ) e passaram-se muitos anos, até eu ter voltado a comer por aqueles lados.

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