Na última aula teórica
de cozinha, escutava interessado o colorido discurso sobre (ou seria à volta de?)
caldos, consommés, purés e outros, quando o assunto chegou aos estabilizantes e
espessantes, productos mágicos que alteram a consistência do que antes era
líquido, como a simples farinha de trigo, mas também coisas ainda distantes do
nosso discurso de alunos, como a xantana e o kuzu. Foi assim que surgiu
a palavra araruta, que suscitou algum reboliço:
Pode repetir? Como se
escreve? O que é?
Enquanto as explicações
decorriam, eu, por breves instantes regressava ao 2ª andar da Calçada Salvador
Correia de Sá, sentado ao lado da minha avó Maria José a comer uma bolacha. De
Araruta, claro. Compradas na antiga Manteigaria do largo do Camões, da qual só
resta o nome na parede do prédio.
E como tantas vezes
acontece, não tardou até que a quase esquecida Araruta, reaparecesse no meu
caminho e com ela mais memórias, dessa avó sempre vestida de preto, com quem
passei tantos fins de semana da meninice
***
Foi um acaso.
O autocarro tardava e por isso resolvi ir comprar café na Mariazinha, ao lado do Mercado de Alvalade. De repente, escolhido o café, passeava o olhar pela exposição quase de museu, que há na loja, onde frutos secos , rebuçados, caramelos, sementes comestíveis etc, estão expostos em frascos grandes e de aparência ancestral, quando vi num dos frascos, uns figos Pingo de Mel, secos.
O autocarro tardava e por isso resolvi ir comprar café na Mariazinha, ao lado do Mercado de Alvalade. De repente, escolhido o café, passeava o olhar pela exposição quase de museu, que há na loja, onde frutos secos , rebuçados, caramelos, sementes comestíveis etc, estão expostos em frascos grandes e de aparência ancestral, quando vi num dos frascos, uns figos Pingo de Mel, secos.
Lembrei-me logo do meu avô Zuzarte e os seus queridos figos
torrejanos, a secar com o calor do final do Verão, em longos tabuleiros de
madeira castanha escura. Os netos ajudavam (contrariados) a apanhar os figos, a
estendê-los para secar e a tapá-los com oleados e serapilheiras, se a noite
ameaçava humidade. Escrevo isto e as saudades apertam-me. Para sempre.
Acabei por também comprar figos e foi ao sair da casa de cafés, que vi os pacotes de bolachas de Araruta e saltei do avô materno, para a minha, atrás
referida, avó paterna, Maria José, em casa de quem, havia sempre estas
estranhas bolachas que me fascinavam, sem nunca ter percebido bem se gostava ou
não.
Quando as trincava, era
como se fossem apenas rijas na aparência, quase por brincadeira, pois logo se desfaziam numa espécie de pó fino,
que nos fazia rir, com efeitos
desastrosos. Não eram bem doces, mas tinham a memória da doçura. Devido à
sua forma bizarra não se barravam com nada(que eu saiba) e comiam-se
tal e qual.
Mais (muito mais) tarde
percebi que Araruta era Arrowroot, uma fécula extraída dos rizomas da planta
que tem o mesmo nome. Um pouco confuso isto de planta, fécula e bolachas
partilharem a mesma designação. Parece que a dita fécula, tem muitas vantagens
sobre outras mais famosas como a do milho, mas disso a minha avó nada sabia.
O que ela sabia, era
fazer uns torresmos do céu inesquecíveis de tão bons, que de tempos a tempos
enfeitavam a mesa de domingo, ou fazia a sua aparição nas festas de anos de
então, muito povoadas por avós netos, tios , tios avós, primas afastadas e sei
lá mais o quê, pois todos apareciam sorridentes e faladores, para sessões
animadíssimas, como se não se vissem há anos. Até hoje, esse eco persiste, mas,
ao contrário do que sucede com o lado materno da família, as reuniões não se
repetirão, pois os mortos são mais que os descendentes e a distância
instalou-se, seca como as bolachas...
Os torresmos do céu da avó Maria José, são parecidos com muitas das receitas que já encontrei, mas hoje sei o bastante para rejeitar quase todas. Referem-se a memórias de outras pessoas e não às minhas e mesmo sendo doces bons, não são os que procuro.
Há umas no entanto em que deposito esperanças, nomeadamente uma onde aparece a batata em puré, complementando a amêndoa, que poderia ser o motivo para os torresmos da avó não enrijarem. O resto são variantes dos queijinhos de amêndoa, que tantos nomes assumem na nossa doçaria, e a que eu gosto de chamar Queijinhos de Mora.
Os torresmos da minha avó são redondos, mais escuros que os ditos queijinhos, com um claro sabor a canela e mais qualquer coisa (raspa de limão? e manteiga terá?) que não identifico, nesta memória afectiva e gulosa, com quase 40 anos!!! Redondos, escuros, moles e rolados em açúcar pilé. Eu diria que hei-de lá chegar, mas a minha Mãe (que nunca pediu a receita à Sogra) tentou e nunca acertou com o segredo. Isso desanima-me um pouco
Fica aqui receita que vou tentar, com alguma (pouca) esperança, e ainda não tentei, porque se falha, fico apenas com a memória para recomeçar. Transcrevo tal como a encontrei num desses cadernos de receitas escritas à mão:
Meia chávena de amêndoa, 3 gemas e 1 clara, 2 chávenas mal cheias de açúcar, meia chávena de batata em puré. Canela
Põe-se o açúcar em ponto alto, depois junta-se-lhe a amêndoa, as gemas, as claras, a batata e a canela.
Leva-se ao lume para ferver um pouco e secar. Depois de esfriar completamente, fazem-se bolas que se passam por açúcar seco. No dia seguinte dá-se outra volta com açúcar seco.
O bolo de anos que a minha mãe fazia, e que eu gostava tanto, era de uma receita do Isalita de bolo de amêndoa com batata (cozida) - leva os mesmos ingredientes e é mesmo muito bom.
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