04/08/2016

O pão com molho - conversa sem receita


 

O pão é um direito...
e não devia ser um mal de que se foge. 

O pão já estava na nossa vida antes de nascermos e, se hoje reconhecemos que já foi mais fácil encontrar bom pão, há que defender o que resta e copiar quem o faz bem, em vez de nos entregarmos aos pré-cozidos e congelados, esses que só se podem comer enquanto quentes e depois trazem os efeitos esperados, as alergias, o enfartamento e todos os incómodos  digestivos, pelas fermentações mal feitas e outros atropelos à saúde pública, como o uso de químicos, que aceleram a moagem do cereal  e fico por aqui para não estragar o apetite a ninguém 
Mas ainda há bom pão em Portugal e é isso que o coração nos pede. Não é com carcaças de soja ou bolinhas de malte que chegamos ao Céu dos saciados. 

E depois há bons queijos, algumas manteigas, os doces caseiros, o presunto, a muxama e o molho. 

Sobretudo o molho.
As primeiras sandes de molho que vi e comi, eram feitas com o molho das iscas ou das bifanas. Comiam-se por toda essa Lisboa, do Castelo até Benfica e arredores, para prazer dos pobres e remediados, a quem, se lhes eram negadas iguarias de maior requinte, restavam, no entanto, estes prazeres. Destas singelezas tenho hoje mais saudades que das lagostas dos casamentos ou das bisnagas de “paté de foie” vindas do “estrangeiro”, com que a minha tia Maria Helena fazia umas deliciosas sandes em fino e delicado pão de forma, que então se comiam com a magia dos sabores novos.
 Só quem não compreende o prazer de molhar o pão, limpar o prato dos deliciosos vestígios, ou mesmo rapar a frigideira depois de servir todos os esfaimados, é que pode ficar impávido ao ver tais prazeres degustativos desaparecerem aos poucos, entre regras de educação, normas de higiene, falta de memória ou apenas o azar de não ter tido uma infância com bom pão e panelas onde fumegassem guisados e outras suculentas maravilhas. Entre estas, incluo o molho da salada de tomate (aquilo que fica na saladeira quando acaba a salada), que é tão bom que já me aconteceu fazer a salada só para chegar a esta parte, mas cada um tem as suas maluqueiras. 
 essência de tomate
Raymond Blanc preparando essência de tomate, que na verdade é um molho de salada mais elaborado
Quantas vezes acontece que depois de descascar camarões, as cascas acabam no lixo, quando têm tantas possibilidades, incluindo fazer-se um azeite de camarões, que na verdade não passa de cascas fritas com alho, uma pequena malagueta e um toque final de sumo de limão. E molhar o pão nisto?

PS: Depois de ter escrito isto, li o texto doZine do Pão onde o autor escreve e justifica, que o pão anda mal por cá.  Deve ter razão, mas ainda encontro pão capaz de me animar, como alguns pães da zona de Tavira, mas pode ser que a miséria do panorama lisboeta me faça rejubilar com qualquer coisinha melhor.  No entanto só os conheço de comer e não sei como são feitos. 
Será talvez altura de dizer que o pão é fraco, mas o molho não estava mau.  

No comments:

Post a Comment