Quando se
deambula durante muitos anos, tantas
vezes distraído, como se tudo fosse para sempre, chegamos a uma altura em que
há coisas cuja origem se perdeu. E neste caso não falo apenas por mim, acredito
que falo por muitos outros.
Pensei em
escrever sobre peixe frito com arroz de grelos, e não vejo o princípio da
história, porque é uma coisa tão óbvia e tão natural na minha vida, que não
guardei uma memória específica. Mas há
poucas coisas tão boas como esta simplicidade. É bom e para mim também é parte de Lisboa.
Peixe frito com
arroz de grelos é um prato que comi vezes sem conta, com prazer mas sem lhe dar
o valor devido. No entanto, no meio desta cidade, num prédio qualquer onde
ninguém se conhece, longe dos restaurantes de bairro, das cantinas escolares,
da casa da mãe, alguma vez pensei nisso e perguntei-me:
- quando foi a
última vez que o comi?
- sei o que é
peixe bem frito, mas serei capaz de o fazer?
- arroz de
grelos...?
e há uma tristeza colada a estas perguntas, que só se resolve na cozinha, pois já não é questão de ir ao restaurante e pedir.
É preciso fazer. É preciso repetir até dominar e recuperar os sabores todos,
que quase escapavam e sei lá o que se perderia com isso.
Felizmente que essas dúvidas foram todas
resolvidas há anos e peixe frito com arroz de grelos voltou a ser coisa vulgar,
que faço como quem não pensa nisso.
Um peixe
adequado, bom e fresco. Um peixe vulgar, quase sem nome. Peixe frito.
Podem ser pescadinhas de rabo na boca,
linguados, cachuchos, azevias, peixe espada, peixe-aranha, carapaus, moreia, biquerão
ou outro qualquer que sirva para fritar. Temperado de sal, passado por farinha (eu prefiro a de milho) e frito
em abundante óleo bem quente para dourar. O ponto certo é filho da experiência
mas não é dificil de encontrar. E se
sobrar por entusiasmo do cozinheiro, tanto melhor, pois segue-se o maravilhoso escabeche que ressuscita o peixe, para que se possa comer nos dias seguintes.
Quanto ao arroz
de grelos, faz-se com grelos (de couve ou de nabo, fica ao gosto de cada um),
que se separam do caule, escaldam-se e põem-se a escorrer. Levar uma panela ao lume
com azeite, deitar uma cebola e um dente de alho picados, e ainda uma folha de
louro. Juntar os grelos e pouco depois a agua a ferver, ( um pouco mais que
o dobro do volume de arroz carolino, para que fique malandrinho) o sal e o
arroz. Deixar cozer com meia tampa durante 10 a 12 minutos e deve chegar à mesa ainda
com caldo.
Uma coisa é
certa, dá mais trabalho a descrever que a fazer.
O peixe da fotografia, é uma azevia que comprei na Banca da Bela (Mercado de Alvalade). Na altura pareceu-me mais cara que o costume:
- Os barcos não têm saído e estas vieram do Algarve - disse a Dália
No dia seguinte, voltei lá de propósito, para lhe dizer que afinal as azevias não eram caras, eram muito boas...
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