A imagem veio do blog Correio-Mor
Sou do tempo das papas. Com farinha, leite, açúcar e pouco mais fazia-se uma bela papa, quer fosse de farinha maizena, farinha de milho, torrada, flocos de aveia, tapioca ou a 33, todas faziam parte do espectro culinário de casa dos meus pais.
Já existiam os corn flakes, mas eram uma espécie de estrangeirismo pouco presente e durante anos as únicas inovações foram o Cerelac e o Nestum, que gozaram também de alguma fama.
As coisas que andam ao nosso lado desde que nascemos, não merecem muita atenção e assim, as primeiras papas em que reparei, não eram feitas para mim, mas sim para uma das 2 bisavós que conheci. A avó Florinda.
Recordo-a já quase sempre acamada, e quando se levantava parecia uma personagem de filme. Sempre de preto, sempre sisuda ou mesmo zangada, já muito avançada na idade e com os achaques próprios. Por certo que exagero, mas acho que vivia de papas e eu gostava de rapar o tacho onde a minha avó (sua nora) preparava aquela comida rústica, diferente das que comia em minha casa (seria de água em vez de leite?), com um toque de sal sobre o doce do açúcar e com uma mancha amarelada da manteiga a derreter.
Em casa dos meus pais, uma vez por semana o jantar era papa. Uma das listadas acima e embora eu não conhecesse mais ninguém que fizesse uma refeição semanal, sem carne nem peixe, sempre me pareceu uma coisa natural.
No entanto, depois de sair de casa poucas ou nenhumas refeições destas eu fiz.
Hoje, existem inúmeras marcas de cereais e coisas aparentadas, com nomes sonantes, anúncios caros, promessas de saude e elegância, mas não me seduzem e nunca lhes toco. Como papas, mas não dessas.
Com a minha tardia descoberta do Algarve, acabei por encontrar o xerém e gostei muito. Uma coisa diferente para quem nunca vira papas salgadas, mas que me agradou de sobremaneira. Mais tarde,em Cabo Verde reencontrei a versão local do dito preparado algarvio, onde até o leite de coco comparece. Também muito bom e de alguma forma veio consolidar essa ideia das papas em versão alargada, a que não pode escapar outra grande variante, o pirão.
Recentemente na preguiça das refeições solitárias, permiti-me avançar nesse tema, principalmente porque ao arrumar o armário das mercearias encontrei 3 embalagens de sêmola de milho, quando procurava masa harina para fazer tortillas.
Não encontrei masa e como a sêmola não serve para as tortillas, tenho-a usado para refeições que não apresentaria a ninguém, mas que me agradam muito pelo sabor e pelo conforto associado.
Papas de salsichas com couve lombarda.
Cozi salsichas frescas, barriga de porco, couve lombarda e cenouras, num caldo aromatizado por cebola, alho, louro e cravinho e depois de pronto, separei o caldo do resto. Parti o que se podia partir e fiz umas papas de milho com o caldo
Comecei por deitar numa tigela um copo com sêmola de milho e dois de água. Mexi e deixei assim, para o milho ensopar a àgua.
Depois, levei o caldo a ferver, juntei a sêmola ensopada e mexi bem. Deixei o milho cozer durante 30 minutos, tendo o cuidado de ir mexendo para não se pegar ao fundo. Uma vez a papa pronta ( ao provar deixa de parecer areia... ) juntei as carnes, os legumes partidos e umas folhas de hortelã. Claro que acabei com um bom fio de azeite e comi com colher.
Já fiz o mesmo com os restos duma moqueca de frango e ficou delicioso. Ambos merecerão repetições para breve.
Passado ou futuro? Que interessa? É preciso é deixar as modernices e trazer sempre por perto aquilo que achamos bom, seja lá qual for a moda.
Se estes textos se prolongam acabo por parecer um velho reaça a louvar o que passou, e não sou nada disso. No entanto, estas gastro-memórias deixam-me com saudades de coisas que, infelizmente, se perderam e hoje nem sabemos porquê.
Com a sêmola de milho lá em casa fazem-se umas papas doces que se polvilham com canela tipo arroz doce, e também se faziam em casa da minha mãe umas papas de milho com as folhas migadas do caldo verde, que não faziam as delícias dos mais novos mas com que os mais velhos se regalavam :)
ReplyDeleteHá muitas coisas assim. Comidas que nos dão em miúdos e não entendemos que graça têm. Depois, um dia, fazem-nos falta.
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