Eu ando pelo mundo prestando atenção, em cores
que eu não sei o nome
Cores de almodóvar, cores de frida kahlo, cores
Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção no que meu irmão ouve, e como uma segunda pele, um calo, uma casca,
Uma cápsula protetora
Ah! Eu quero chegar antes pra sinalizar o estar de cada coisa
Cores de almodóvar, cores de frida kahlo, cores
Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção no que meu irmão ouve, e como uma segunda pele, um calo, uma casca,
Uma cápsula protetora
Ah! Eu quero chegar antes pra sinalizar o estar de cada coisa
Esquadros – Adriana Calcanhoto
Ando pelo mundo prestando atenção em coisas
que mudam mal as toco, mal as olho, mal as penso. Eu mudo as coisas apenas por
lhes dar tempo. Eu mudo. E disso falo.
As mudanças não são boas nem más. São
mudanças. As que parecem más, falham mais que aquelas que parecem ser boas, mas todas podem falhar. Isto
pode ser a propósito de alheiras, mas também sobre empadas, migas, cozidos, ceviche, espumas, cinzas ou qualquer coisa comestível descoberta na Amazónia.
Mas não só.
Em 1965 eu ainda não gostava de favas. Por essa altura, disse
ao meu avô que as sardas e as cavalas, não eram boas para as crianças comerem.
Não (gostava) compreendia o arroz de tomate, nem a sopa de feijão verde. Nunca desejava
peixe frito. Bifes sim, mas então eram sempre bem passados e muito finos. Se
mos dessem hoje havia de torcer o nariz.
Em 1975 comecei a descobrir o caril – com aqueles
que voltavam de Moçambique - e a tentar cozinhar coisas que via na
tele-culinária como sendo chinesas, num tempo em que molho de soja era uma
esquisitice, vendida junto com os produtos macrobióticos e o caril ainda era uma
mistela de pacote, uma mistura amarelada de cheiro vago, usada junto com salsa, maçãs
e natas, na elaboração de pratos supostamente exóticos.
Leio em 2017 que esse pó, continua a ser usado por cozinheiros distintos e não me espanto. Nada me espanta. Nem me ofende. O que me ofenderia era esse pó ser usado por mim.
Leio em 2017 que esse pó, continua a ser usado por cozinheiros distintos e não me espanto. Nada me espanta. Nem me ofende. O que me ofenderia era esse pó ser usado por mim.
Muito espantaria a todos, se nos viessem dizer
lá atrás (em 1985 por exemplo), que peixe cru era ideia com muito futuro. A
menção de palavras como sushi, sashimi, ceviche, tártaro ou poke, causaria
apenas estranheza breve e passageira. Peixe cru só na pesca ou na lota. Mas,
ainda não vi, a indignação dos tradicionais grelhadores de peixe, que fizeram e
fazem, muita da fama e tradição gastronómica do país.
Em 2010 fiz pela primeira vez uma receita da Michelle Bernstein, onde se misturam o atum cru, a melancia e o molho de soja .
Então, servi-o a amigos incrédulos, que pela descrição não provariam tal
disparate, mas gostaram e repetiram. Ninguém se ofendeu. Nem os produtores de
melancias, nem quem prepara diariamente o Atum à algarvia.
O Gaston Acúrio afirma que no ceviche não deve entrar o azeite, mas muitas vezes entra nos meus. Ele sabe muito mais de ceviche que eu.
Eu sei muito mais do que eu gosto.
Eu sei muito mais do que eu gosto.
A tradição nunca foi o que era, e na mesa
ainda menos. A tradição não é um muro, é um banco para quem nele se puser em pé, poder ver mais longe.
Ou não.
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