27/12/2014

Natal em Torres Novas - o pudim do Abade

São dias de Natal, uma vez mais em Torres Novas, junto de memórias gratas desta época e ainda com muitos dos que fizeram parte delas.

Há uma inacção antiga, dos tempos em que via os mais velhos cozinhar, arrumar, enfeitar, enquanto nós, à vez netos, filhos ou sobrinhos, ajudávamos ou atrapalhávamos conforme o ponto de vista. Então, queríamos brincar, ir para a rua subir às árvores, andar pelo meio das ervas e chegar a casa molhados da geada, que durante todo o dia, ficava pendurada nas folhas. Éramos seres sem obrigações que esbanjavam energia como é próprio da idade.

Agora estamos muito tempo sentados.

Falamos do passado e dessas memórias que nos unem com carinho e com saudade, mas apreciamos este reencontro e fazemos dele o melhor possível, gastando as energias de hoje como se gastaram as de ontem. Alguns lugares dos mais velhos vão sendo tomados por nós que entretanto já nada temos de novos. Os mais novos verdadeiros, são como nós fomos e parecem abelhas loucas a zumbir por todo o lado.

A minha tia Isabel, na cozinha, vai tratando de preparar as comidas próprias da época, e que ninguém quer dispensar. Para mim, acima de tudo está o bacalhau com couves depois da missa do galo, que, não sendo grande obra culinária, é como um cimento base que convoca anos de Natais passados e , silenciosamente, sinto a presença dos meus avós, ainda mais forte nesse singela refeição.

Nos outros dias cada um ajuda como pode, e isso para mim significa ajudar na cozinha. Um dia fiz uma entrada de cogumelos salteados, no dia seguinte levei uma travessa de queijos frescos de ovelha, temperados com um piso de alho, coentros e azeite que foi muito bem recebido.

A Teresa e o Zé Paulo trouxeram consigo o belo presunto, que todos apreciam e atacam ao longo do dia, mas que lança a dúvida sobre quem o enceta, pois é preciso remover a capa de gordura para que apareça a carne carmim escuro, e se possa provar devidamente essa obra de arte vinda do fundo dos tempos.
Foi o Rui quem pegou na faca e logo à sua volta se juntaram mirones (como diria o meu avô) incapazes de evitar as opiniões...

A coisa mais útil fez a Marília que, recolhendo uns nacos daquela gordura excedentária,  disse que os levaria consigo, para em casa fazer um pudim do Abade de Priscos. Aquilo foi como uma campainha que tivesse soado em mim e logo a imitei informando que nunca havia tentado tal coisa mas queria avançar e apresentar o doce no jantar do dia seguinte cujo prato principal já estava por minha conta, e foi o meu clássico risoto de lima, já muitas vezes feito e aqui contado.

Vamos então (e sem medo) na direção de Priscos, do qual reza a Wikipedia - Priscos é uma freguesia portuguesa do concelho de Braga, com 3,65 km² de área e 1 341 habitantes. Densidade: 367,4 hab/km². Terra do Pudim Abade de Priscos.




Li receitas, vi o "video oficial", vi a chef Marlene a preparar o dito no Chefs Academy, li o texto do Virgílio Gomes no seu blog. e conclui para comigo:
- Isto é um pudim de ovos, com umas farripas de toucinho!

Mas porque raio alguém(mesmo abade) se lembrou de deitar lascas de toucinho do presunto para dentro da calda? Não sei a resposta mas intriga-me. Intrigas à parte deitei mão à obra.

Pesei 200g de açúcar e  menos de metade em água e levei ao lume para fazer o caramelo.
Separei 15 gemas de ovo que atirei para um passador de rede e deixei escorrer lentamente.

Cortei em tiras finas a toucinho que guardara e não sei se seriam exactamente as 50g recomendadas, mas não andaria longe disso.

Levei um tacho ao lume com 500g de açúcar, 250 ml de água, o toucinho cortado, um pau de canela e duas tiras de casca de limão. Deixei ferver até ter um ponto que já era quase fio, mas por não ter comigo (cordas de violino, diria o Cesariny) o termómetro, não sei bem que ponto era, mas era um ponto!

Enquanto o ponto seguia o seu caminho, olhei as gemas já em paz e deitei-lhes meio cálice de vinho do Porto, deixei-as sem mais.

Quando o caramelo ficou pronto(ou seja cor de caramelo) untei com ele a forma do pudim.

Com a calda já pronta e amornada, misturei-a à gemas deitando-a em fio num passador para retirar assim o toucinho e demais sólidos. Mexi ligeiramente para ligar as gemas e a calda, mas sem bater para não criar bolhas de ar e garantir a desejada textura quase pecaminosa deste doce cheio de religiosidade gulosa.

E pronto. A forma, já com a mistura das gemas e com a tampa bem posta, passou 45 minutos de banho Maria, numa panela ao lume, e depois (quase) devidamente arrefecido, foi por fim degustado pelo grupo que se sentara para jantar. Como derradeiro registo desse meu primeiro pudim do Abade de Priscos aqui fica a lista dos presentes.

Álvaro, Isabel Maria, Maria do Rosário, Maria da Conceição, Rui, Marília, Chico, Teresa, Zé Paulo, Zé Eduardo, Joana, Sebastião (que não comeu pudim nem camarões por não ter idade) e eu próprio.

Boas Festas

 
 

09/12/2014

Motivos para não ter escrita.

Uns dias chego a casa a correr e faço uns bifes inspirados nos do Zé da Mouraria. Temperados com alho, louro e vinho branco. Fritos em banha e acompanhados por batatas fritas aos palitos. 
Fica sempre bem, mas não há nada para contar.
Ou um belo peixe fresco, cozido com batatas e qualquer coisa verde. Ou servido em modo sopas, com fatias de pão fino, lâminas de alho, coentros, azeite e a água de cozer o peixe a unir tudo. 

É sempre delicioso mas, a menos que seja eu a pescar o dito, não há muito para dizer, mesmo que eu ache que muita gente não faz ideia de como se pode cozer peixe, sem dar cabo dele.

E a lista segue pelo dia a dia fora. 


Umas vezes há carne de porco frita, outras vezes serão camarões, esparguete com qualquer coisa, cogumelos à moda do Fialho (da Amadora) ou iscas nunca tão boas como as desse recanto do bem comer. Nos meus dias as refeições são quase sempre simples e sem histórias, por isso, muitos passam em que eu não venho aqui contar seja o que for. Mas tenho saudades.

Também há a preguiça, ou a falta de inspiração. 


Antes de escrever simulo o texto num canto silencioso da cabeça e, pondo de lado a receita, rebusco o motivo que me justifique a descrição.  E acontece passar tanto tempo nisto que se gasta o assunto, como se já tivesse sido escrito.

Agora, quero contar alguma coisa do último fim de semana, e ando nessa fase do "canto silencioso". A história mete madalenas, castanhas no forno, tandoori de entrecosto, televisão, a minha filha vestida de coelho e um sol radioso que nos escapou. Estou a tentar arrumar tudo e depois se verá.

Talvez