Chegámos
a Avis, vindos de Lisboa e fomos ver o frigorífico!
É
verdade. E não me parece mal. Já era tarde, íamos pouco depois
sair para jantar na Tasca do Montinho e era preciso ter uma ideia do
que havia e do que faltava para de manhã se fazerem as compras.
Tenho
aqui um galo que me ofereceram. Não sei se queres fazer alguma coisa
com isto...?
Quando
vi o galo, morto, limpo e congelado, tive de pensar rápido e isso,
para mim, quer dizer “arroz de...”.
Podia
fazer um arroz de galo, respondi, enquanto pensava que nunca antes
cozinhara galo, mas por certo não se daria mal com a minha cabidela
sem sangue, por falta do mesmo naquela ave guardada no congelador.
Já
mais sossegados com a revisão dos mantimentos, partimos para o
jantar. O galo só iria para a mesa 2 dias depois.
Não nasci a
comer arroz, pois os recém nascidos começam geralmente pelo leite
materno, mas disso não me lembro, do que me lembro bem é do arroz
omnipresente à mesa, ao almoço e ao jantar.
Desde que a
refeição não fosse peixe cozido ou assado, creio que todas as
outras o incluiam. A certa altura estive doente com uma mistura de
escarlatina e apendicite e passei “meses” a comer uns arrozinhos
de pescada feitos por mamãe, que ainda hoje faço só para mim e
como com delícia.
O peixe
coze-se em água e sal com uns “cascos” de cebola, sem refogados
ou sombra de gorduras. Nesse água junta-se depois o arroz para cozer
enquanto se limpa o peixe de peles e espinhas. No final junta-se o
peixe limpo, alguma salsa picada e um nada de manteiga.
Mas voltemos a
Avis, onde eu estava(parado no tempo) frente ao congelador, a tentar responder ao
ar de dúvida do Rodrigo, quando me perguntou se queria fazer alguma
coisa com o galo.
Dada a
resposta afirmativa, seguimos com a vida em geral, embora eu tivesse
logo começado a desenhar, na minha cabeça, o que tinha de fazer, até
ao momento crítico em que as pessoas levariam a primeira garfada à
boca. Faço isso muitas vezes, quando estou pouco seguro, por ir fazer
algo menos comum para mim ou de maior responsabilidade.
Imaginei-me a
tirar o bicho do congelador, a tempo de perder aquela rigidez do
gelo, depois a preparar a marinada do costume – vinho tinto, alhos
esborrachados, cebola às rodas, cenoura também às rodelas, folha
de louro, cravinho e para este preparado “tipo” cabidela,
bastantes cominhos moídos.
Nessa marinada
ficaria o bicho durante umas horas (ficou uma noite no frigorífico).
No outro dia logo cedo, havia que sair da cama, fazer as lavagens
matinais, tirar do frigorífico a caixa onde o falecido se perfumava,
tomar o pequeno almoço e começar a cozinhar o passaroco.
Este último
aspecto era o que eu temia. O bicho tem fama de ser rijo e fez juz à
fama.
Primeiro havia
que tirar o galo da marinada e secá-lo, para depois o levar a
alourar por todos os lados. Feito isto, havia que removê-lo do
tacho e fazer entrar a marinada até esta estar a fervilhar.
Depois de 1 minuto assim (por homenagem ao Raymond Blanc que muito
estimo, e que diz ser necessário proceder desta forma para tirar
alguma aspereza ao vinho...) pode-se reunir o galo com o seu destino
e juntar água ou caldo(eu só tinha água) para cobrir. Depois de
retomada a fervura, baixa-se o lume e deixa-se que a natureza (com
seus enzimas, aminoácidos, açúcares e outros mistérios) siga o
seu curso, mas no bom sentido.
Para esta fase
eu não sabia bem determinar quanto tempo seria necessário.
Até se lhe
poder meter o dente? Até estar a separar-se do osso? Até ….?
Assim, decidi
que seria 1 hora, pois para planear é preciso tomar decisões e como
estes pensamentos se sucederam de forma desconexa durante mais de 24
horas, uma decisão tomada é um assunto resolvido e assim pode-se
seguir em frente.
Então,
imaginando o galo devidamente cozinhado, a etapa seguinte seria
desossar, devolver os ossos ao líquido da panela e apurar esse
caldo, o mais importante de tudo.
Para tarefa
tão delicada não fiz planos, pois é um processo que se resume a
provar e corrigir até estar bom.
A coisa é
mais fácil de dizer que de fazer, mas chegada a hora foi o que fiz.
Juntei sal,
juntei tomilho e oregãos até sentir o sabor quente do mato no
verão, juntei cominhos e pimenta preta e por fim achei que estava
bom. No meu plano tudo isto aconteceria antes da hora do almoço, o
que deixaria toda a tarde para meditar na etapa final.
Depois duma
conversa com o Rodrigo sobre o arroz a usar - para mim seria o
carolino, mas essa alma sensível não sabe esperar e assim, não
serve para festarolas descontraídas, onde ninguém quer ir a correr
para a mesa ao primeiro toque da sineta – eu sugeri agulha, o
Rodrigo sugeriu o basmati e foi por aí que ficámos. Tomada a
decisão só faltava executar e tudo correu bem.
Panela ao
lume, o caldo medido, o arroz medido, o galo desfiado e a postos,
tudo correu bem. No final, um golpe de vinagre e com o lume já
apagado, uma boa mão cheia de coentros picados e ala para a mesa.
- Oh João Pedro, o arroz está muito bom, mas para mim devia ter sido feito com Carolino – disse a Cláudia ao provar. Pois, Cláudia, também para mim, carolino e com a mesa na cozinha e os clientes já sentados, de garfo na mão e boca expectante.
Fiquei
contente com o plano e com a execução. Fiquei contente com o
resultado e com as reações.
Ficaria mais
contente se estivesses a meu lado para me dizeres a tua opinião, mas
temos tempo
Olá João Pedro,
ReplyDeletesó uso arroz carolino, que gosto muito aguarento, como se diz no norte, quando tenho os convivas já sentados à mesa, senão são "disciplinados" uso o vaporizado/estufado com mais caldo do que a proporção 2 para um e resulta com frango, marisco, feijão, tomate ..
nunca lhe fiz marinada, ao galo, mas gostei de saber..
gosto do teu blog..
abraço
O meu preferido é o carolino, mas com o tempo aprendi que por nenhum arroz vale a pena chatear os amigos. A liberdade nas horas afasta o carolino destas mesas, mas o resultado é bom na mesma.
ReplyDeleteO mey blog gosta que gostem dele :)