Passou muito tempo desde que saí de casa dos meus pais, mas os ecos desses anos continuam a fazer-se sentir, principalmente no que à comida diz respeito.
Eu não sou de má boca, como de tudo e já ensinei à minha
filha que ao visitar um restaurante novo, deve pedir aquilo que não
sabe o que é, pois assim que se descobrem coisas.
Não foi isto que me ensinaram nesses tempos da casa dos pais, sendo antes um dos momentos de separação daquela segurança dada pela boa cozinha materna, que raramente saía duma ementa pré-definida por todos nós e por nenhum em especial.
Não foi isto que me ensinaram nesses tempos da casa dos pais, sendo antes um dos momentos de separação daquela segurança dada pela boa cozinha materna, que raramente saía duma ementa pré-definida por todos nós e por nenhum em especial.
O meu pai nunca foi um grande garfo e, no seu top gastronómico, estavam a sopa de feijão encarnado e o arroz de manteiga. A minha mãe saiu dum
berço muito diferente. Uma cozinha de provincia, recheada de bons produtos e
boas confeções, onde a variadade sazonal era sentida e assumida. O cabrito e o
borrego no forno, o peixe frito com arroz de tomate, o bacalhau com couves, as
migas de broa, os bifes de cebolada, as favas aporcalhadas, a sopa de feijão verde com segurelha, as tomatadas, as sardinhas
na brasa e tudo o mais que a terra desse, conjugado com aquilo que o meu avô
comprava no mercado.
Mas eu comecei por me
afastar da (minha) tradição, para procurar sabores então exóticos e andei uns tempos
à cabeçada com chinesices primeiro e indianices depois. Tempos confusos em que
mal distinguia o apenas bizarro, das coisas que realmente me agradavam. Tempos de
descobrir novos productos, novos temperos e novas técnicas.
O tempo foi deslizando por mim, e instalou-se uma melancolia que fez desejar esses comeres antigos, pois junto com eles, recuperava
memórias das pessoas e dos sítios que me
construiram e faziam tanta falta, como os gestos, as palavras, o desfilar das efemérides
ou a simples partilha dos espaços.
E foi nas raízes dessas memórias, que nasceu a vontade de
repetir as coisas ligadas à culinária, de perguntar, fazer, recuperar os
sabores e as histórias, de apurar as técnicas e os conhecimentos em geral,
muitas vezes tendo de recorrer a livros, que felizmente os há e sabendo
procurar e discriminar, vai-se avançando. Hoje vivo (quase)em paz com as saudades
, as bizarrias, alguma renovação e o grande prazer de conseguir repetir muitos desses preparados com que antes apenas sonhava e aos poucos ir ensinando aos filhos que terão deles memórias diferentes, mas que um dia lhes farão falta.
Seguir-se-ão meia dúzia de receitas simples, a que me
apeteceu chamar “viagens na minha terra” , não por muito estimar o Almeida
Garrett ou querer ler a sua obra homónima, mas porque foi a expresão que me
ocorreu logo de início. Viagens numa terra que como tudo, existe mais na minha
cabeça que no mundo físico e contém histórias, sítios, pessoas, por vezes tão
misturados que nem eu consigo vistumbrar bem no meio da folhagem.
(continua)